INTRODUÇÃO
A determinação daquilo que se pretende com a educação é um problema que sempre interessou os responsáveis pela orientação dos mais jovens. Enquanto esta questão estava circunscrita à esfera do lar e da família, não apresentava maiores preocupações para os diversos grupos sociais como ocorre em grande parte até hoje. À medida que parte considerável do papel educativo da família e dos grupos de referência primários foi sendo transferida para o Estado ou para as organizações formais (escolas), a determinação dos objetivos da educação passou a ser preocupação de filósofos e educadores. Aquilo que era pretendido pela Escola em relação a seus alunos passou a ter relação com o destino de um país ou nação.
Com o desenvolvimento da tecnologia e com a crescente modificação de toda a estrutura social, novos valores surgiram exigindo mudanças sucessivas do sistema de ensino dos diversos países. Enquanto os ideais da educação medieval eram voltados para valores humanistas, de ordem filosófica e religiosa, uma sociedade tecnocrata preocupa-se com a formação do homem eficiente, que produza o máximo com o mínimo de esforço. Enquanto os ideais humanísticos se constituiam em algo difícil de ser definido, a adaptação ao mundo das máquinas refere-se a coisas exatas e mensuráveis.
Diante desta revolução drástica na sociedade e que se evidenciou principalmente na segunda metade deste século, modificações profundas tiveram que ser introduzidas nas organizações educacionais tendo em vista as novas exigências de uma sociedade altamente industrializada.
Como não poderia deixar de ser, o início desse processo de modificação deveria se iniciar pela redefinição dos objetivos da educação. A preocupação agora é a de educar o homem para um mundo onde predominam a mecanização e a automação, para um mundo que exige alto nível de especialização como condição para uma adaptação razoável. Nestas circunstâncias o indivíduo deve preparar-se para funcionar como uma peça dentro de um sistema, onde a precisão e a eficiência são características fundamentais.
Este novo esquema, no qual deve estar incluído o homem, exige, portanto, que as agências educacionais encontrem uma nova forma de determinar seus objetivos, de maneira a ser possível especificar, com clareza e precisão, os comportamentos desejáveis ao final de um período em que o indivíduo for submetido a um conjunto de estímulos previamente planejados.
Novas estratégias de ensino derivadas de tecnologia do ensino têm demonstrado a eficácia de se determinar de antemão os comportamentos esperados após uma sessão de ensino ou conjunto de sessões. Diversas razões justificam a maior eficiência de um programa de ensino planejado em função de objetivos claramente definidos. Entre elas, pode-se citar a possibilidade de seleção de estratégias adequadas à consecução dos objetivos e de organização de sequências ótimas do conteúdo de ensino.
Uma questão, entretanto, que parece de capital importância para o ensino e a aprendizagem, não tem recebido a devida atenção dos pesquisadores. Esta questão refere-se à possibilidade de se conseguir maior eficiência no processo de modificação do comportamento, informando aos indivíduos sobre os objetivos pretendidos pelo instrutor, antes de submetê-los às situações estimuladoras específicas, tendo em vista conseguir as mudanças esperadas.
O presente trabalho tem por finalidade primordial o estudo deste problema cuja importância para a educação em geral e para a educação em saúde, em especial, será discutida oportunamente.
TERMINOLOGIA
Os diversos especialistas que desenvolveram trabalhos relacionados à determinação de objetivos educativos utilizam uma terminologia variada que, com freqüência, provoca discussões desprovidas de sentido. Essa terminologia inclui as mais variadas expressões para indicar o que chamaremos de “objetivos educativos”. Entre os termos ou expressões utilizados podemos citar: fins educacionais, metas educacionais, objetivos gerais, objetivos específicos, objetivos instrucionais, objetivos operacionais.
Com base na literatura tradicional pode-se afirmar que, na determinação dos objetivos da educação, se procurava distinguir dois tipos: os objetivos a longo prazo e os objetivos a curto prazo. Os primeiros eram chamados de “fins ou metas educacionais” e os segundos simplesmente de “objetivos educacionais”. Outra nomenclatura que é encontrada com freqüência para indicar objetivos a longo e a curto prazo é a de chamar os objetivos a longo prazo de “gerais” e os a curto prazo de “específicos”.
Trabalhos mais recentes introduzem os termos “instrucional” e “operacional” para indicar objetivos a curto prazo e ao mesmo tempo redigidos de maneira clara e precisa, expressando comportamentos observáveis.Atualmente tem-se definido objetivo educativo como o comportamento esperado de um indivíduo ou grupo após submetê-lo a uma situação de ensino-aprendizagem.
Os objetivos educativos podem expressar de maneira mais ou menos genérica um comportamento; podem ser, portanto, mais gerais ou mais específicos. Não há um critério absoluto para se determinar o nível de generalidade ou de especificidade de um objetivo. Um objetivo específico é específico em relação a outro mais genérico que é chamado de geral. Por outro lado, este mesmo objetivo geral pode ser específico em relação a outro.
A relação entre objetivos gerais e específicos só pode ser observada quando comparamos os objetivos de um determinado programa ou quando comparamos objetivos do mesmo programa proposto em vários níveis, tais como nacional, estadual e municipal.
Os termos “instrucional” e “educacional” se equivalem: o termo “instrucional” é traduzido do inglês “instructional” que, literalmente, significa “da instrução” ou “do ensino”. Ora, a educação ocorre através do processo de ensino-aprendizagem. Embora nem todo ensino leve à mudança de comportamento num sentido educativo, pode-se dizer que sempre que houver educação há ensino. Do ponto de vista de um sistema, todo ensino deve ser no sentido educativo. Daí poder-se dizer que o professor enquanto ensina está educando. De maneira geral, portanto, pode-se considerar os termos ou expressões “objetivo educacional” e “objetivo instrucional” como significando a mesma coisa, pois quando alguém ensina em nome de uma Instituição, sua intenção é a de educar. Pelo exposto, preferimos o termo “educacional” ou “educativo” (um equivale ao outro) ao invés de “instrucional”.
Fundamentando-se na literatura sobre o assunto e, principalmente, tendo em vista a experiência prática, pode-se concluir que a terminologia mais simples e mais funcional.
Deve levar em conta os seguintes conceitos:
1º Objetivo educativo ou educacional é qualquer sentença ou enunciado que expresse um comportamento esperado de um indivíduo ou grupo após submetê-lo a uma situação de ensino-aprendizagem.
2º Um objetivo educativo pode ser geral ou específico. Um objetivo geral expressa de maneira global um comportamento. Os comportamentos expressos pelos objetivos gerais implicam processos mais complexos e são atingidos ao final de um período de tempo razoável, difícil de ser determinado. Os comportamentos expressos pelos objetivos específicos devem ser geralmente atingidos a curto prazo ou pelo menos, num espaço de tempo definido. Exemplos de objetivos específicos são os comportamentos esperados dos alunos de uma classe após uma sessão de estudo ou após uma unidade de ensino.
3º A operacionalidade de um objetivo refere-se à precisão de sua redação. Quando um objetivo, geral ou específico, expressa claramente um comportamento, de maneira a não permitir múltiplas interpretações, dizemos que é operacional, ou que está redigido de maneira operacional.
REVISÃO DA LITERATURA
Embora a problemática referente à questão da determinação de objetivos educativos seja ampla e estimulante, restringir-se-á ao problema específico aqui proposto, isto é, o de se estudar em que medida o conhecimento por parte do aluno dos objetivos educativos específicos (e, portanto, operacionalmente redigidos) antes da situação de ensino-aprendizagem, leva-o a um maior rendimento na aprendizagem.
A literatura neste campo é predominantemente prescritiva, fundamentada em princípios gerais de psicologia da aprendizagem. Grande parte das proposições feitas carecem de fundamentação rigorosamente científica e muitas hipóteses estão ainda por ser estudadas.
Encontram-se pontos de vista divergentes em relação à necessidade e possibilidade de se determinar objetivos educativos específicos na fase inicial do planejamento de um programa educativo (Oliveira15, 1973). Para alguns autores, a pré-determinação do comportamento do aprendiz em seus mínimos detalhes levaria a um ensino por demais retalhado, perdendo-se de vista as metas mais gerais da educação. Ausubel e Bruner (apud Oliveira15, 1973) afirmam que especialistas em materiais instrucionais se dedicam mais a aspectos triviais e fáceis de serem definidos do que aos aspectos mais fundamentais e que deveriam ser levados em conta na educação.
Outra alegação é a de que tal orientação é anti-democrática, favorecendo um ensino mecânico e desumano que não leva em conta as necessidades e os interesses individuais.
Inexistindo até o presente momento procedimentos sistemáticos que permitam a utilização de técnicas de redação operacional de objetivos e estando a grande maioria dos professores despreparados para esta tarefa, há os que não recomendam sua utilização na prática educacional (Pollock 16, 1970; Fodor e Dalis 5, 1966).
Em contrapartida, encontram-se inúmeros autores que defendem o ponto de vista contrário, alistando diversos argumentos.
Entre eles, podem-se citar:
1º Tendo em vista que, nem sempre o planejador de currículo é o instrutor, o primeiro deve comunicar ao segundo o que pretende, do contrário o planejador de curso ou o professor não terá elementos para programar a instrução.
2º A redação clara e precisa dos objetivos é condição fundamental para que seja possível selecionar estratégias adequadas à sua consecução e se possa avaliá-los.
Experiências educativas fundamentadas em princípios de tecnologia comportamental têm comprovado consistentemente a eficácia da utilização da redação operacional de objetivos no planejamento educativo. A instrução programada, por exemplo, é uma metodologia de ensino cujo planejamento inclui, como requisito básico, o uso de objetivos redigidos em termos comportamentais. A elaboração de um texto programado fundamenta-se na aplicação de princípios derivados de diversas ciências. Isto significa imprimir um caráter científico ao ensino e à educação que eram até bem pouco considerados uma arte cujo resultado dependia quase que exclusivamente das habilidades pessoais.
Como já se teve oportunidade de mencionar, grande parte dos trabalhos relacionados à questão da determinação de objetivos educativos são de caráter teórico e prescritivo (Bloom 1, 1956; Krathwohl 10, 1964; Mager12, 1961; Pollock16, 1970; Garcia 6, 1970; Fodor e Dalis5 1966; Popham e Baker18, 1970).
Trabalhos desenvolvidos mais recentemente procuraram testar hipóteses relacionadas com alguns aspectos do problema, tentando assim colher evidências empíricas que comprovem uma série de afirmações correntes, mas de valor discutível. Entre esses trabalhos destacam-se os de Goldberg 7 (1972), Poole17 (1970) e Solleder 20 (1972) em que se estuda a fidedignidade da taxonomia de objetivos educativos (domínio cognitivo) proposta por Bloom e col. 1 (1954). Lewy11 (1968) desenvolveu trabalho semelhante em relação ao nível afetivo. Relações entre objetivos cognitivos e afetivos em termos de aprendizagem foram estudadas por Neidt e Hedlund14 (1969). Outras hipóteses relacionadas à questão da determinação de objetivos foram estudadas por Dickinson4 (1971), Smith19 (1970), Poole17 (1970) e Nagel13 (1970).
Em relação ao problema específico que se pretende estudar foi possível obter apenas um trabalho desenvolvido por Dalis 3 (1970), no qual o autor se preocupou, especificamente, em verificar o efeito do conhecimento prévio dos objetivos de um programa de educação em saúde, sobre a modificação do comportamento de um grupo de estudantes. Nesse trabalho foram utilizados 143 sujeitos, alunos de 5 classes do curso secundário. Os alunos foram divididos em três grupos. Os do primeiro grupo recebiam informações sobre o que se esperava deles ao final de uma unidade de ensino, através dos objetivos educativos redigidos de maneira operacional. Os do segundo grupo recebiam os mesmos objetivos, mas redigidos de maneira imprecisa, possibilitando múltiplas interpretações. Os alunos do terceiro grupo recebiam mensagens que não tinham relação alguma com o conteúdo que seria ensinado.
As conclusões do estudo confirmaram as hipóteses propostas:
1º Os estudantes que tinham recebido antes da aula informação precisa sobre o que se esperava deles, apresentaram maior rendimento do que aqueles que tinham recebido como informação objetivos vagos.
2º Os estudantes que tinham recebido antes da aula informação vaga sobre o que era esperado deles, não apresentaram maior rendimento do que aqueles que tinham recebido como informação, objetivos vagos.
3º Os estudantes que tinham recebido objetivos precisos como informação foram mais capazes de selecionar atividades relacionadas aos seus objetivos do que os que receberam como informação objetivos vagos ou sem relação.
HIPÓTESE
Por que redigir objetivos educativos de maneira operacional?
Algumas respostas a esta questão já foram dadas anteriormente. Estas respostas, em última análise se resumem na seguinte: porque conduzem a um ensino mais eficiente e a uma maior aprendizagem.
Poderíamos levantar ainda outra questão: além de operacionalizar os objetivos, que outros procedimentos deveria adotar o professor para obter maior rendimento de seus alunos? Nossa resposta seria: informar aos alunos, antes de iniciar o ensino, sobre os comportamentos que são esperados deles após o desenvolvimento do processo. Se esta resposta é verdadeira ou falsa é exatamente o que pretendemos testar.
Nossa hipótese é a seguinte:
“Quando o aluno tem conhecimento prévio dos objetivos educativos visados pelo professor, a aprendizagem é maior do que quando não tem esse conhecimento.”
O presente trabalho, da mesma forma que o de Dalis 3 (1970), foi desenvolvido na área da educação em saúde; não pretende, entretanto, ser uma simples réplica daquele. Foram introduzidas algumas modificações que consideramos relevantes.
Entre elas, pode-se citar:
– Equiparação prévia dos grupos estudados em relação a algumas variáveis relevantes para a hipótese em estudo.
– Introdução de controles para evitar a comunicação dos objetivos dos alunos do grupo experimental para os do grupo de controle.
– Verificação da significância da diferença entre médias dos escores não apenas em relação ao grupo como um todo, mas levando-se em conta outros subgrupos dentro do grupo maior.
– A avaliação das mudanças no comportamento não foi realizada apenas em relação à área cognitiva, mas também em relação à afetiva e psicomotora.